Ser mulher na política



Constanza participó de la mesa «Mulher na política», aquí dejamos la relatoría del evento:

Regina Sousa tem sua origem junto às quebradeiras de coco e ao movimento sindical do Piauí. Desde 2015, se tornou a 11ª mulher dentro da atual legislatura do Senado Federal do Brasil. Jandira Feghali é médica e entrou para o Partido Comunista ainda na clandestinidade do regime militar. No quinto mandato como deputada federal, é uma das 55 parlamentares mulheres, em uma Câmara de 513 assentos. Constanza Moreira cresceu em uma casa de pais comunistas, virou senadora por uma das maiores coalizões de esquerda da América Latina, e, em 2014, quase se tornou a primeira candidata mulher do Frente Amplio do Uruguai a disputar a Presidência da República. Hoje, ocupa uma das 31 cadeiras do Senado uruguaio, ao lado de outras 7 mulheres.

As três parlamentares formaram a mesa do primeiro tema de Grandes Debates convocado pela presidência da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul deste ano, em um evento na noite desta segunda-feira (23). O tema: Mulheres no Poder – Os desafios no espaço da política. “Nestes tempos difíceis, precisamos somar esforços para atingir a equidade de gênero, pôr fim à violência e aproximar o Rio Grande de um modelo que priorize a igualdade”, afirmou na abertura o presidente da ALRS, deputado Edegar Pretto (PT). O Brasil é hoje o 115º colocado, entre 138 países, no ranking de representação feminina no Parlamento, segundo um estudo do Projeto Mulheres Inspiradoras (PMI), com base em dados do Bird (Banco Mundial).

Com média de 10% dos cargos legislativos no país ocupados por mulheres, isso quer dizer que estamos abaixo de países como Afeganistão, que registra 28%. E aproxima nossa média daquela registrada em países do Oriente Médio e norte da África (8,9%) e de países árabes (9,5%). Entre os primeiros colocados do ranking do PMI estão: Ruanda (63,8%), Bolívia (53,1%), Cuba (48,9%), Islândia (47,6%), Suécia (43,6%), Senegal (42,7%), México (42,4%), África do Sul (41,8%), Equador (41,6%) e Finlândia (41,5%). Os Estados Unidos aparecem na 74ª posição, com 19,4%.

A senadora Regina Sousa (PT) | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Apesar de ter crescido em 87% a participação de mulheres brasileiras em postos da política institucional, entre 1990 e 2016, ainda não registramos o crescimento do número de mulheres no poder. Segundo o PMI, com o atual ritmo, o Brasil só deve alcançar igualdade de gênero no Parlamento em 2080. Nas últimas eleições nacionais, em 2014, registramos um decréscimo no número de mulher no Congresso. O Rio Grande do Sul, por exemplo, elegeu apenas Maria do Rosário (PT). O que isso significa para as mulheres que ocupam hoje cargos de deputadas e senadoras em Brasília?

Mesmo a delimitação e a forma de como os espaços públicos – e de poder – estão sempre pensados para os homens, pode ser sutil, segundo a senadora Regina Sousa (PT-PI). “Vou dar um exemplo. O [Plenário do] Senado Federal, até o ano passado, não tinha um banheiro para as mulheres. Só banheiro dos homens. A gente ia lá na cantina para usar banheiro. Agora, que foi pressionado, construíram um banheiro para as mulheres também. É a prova de que o espaço público é pensado sempre para os homens”, contou ela.

A senadora lembrou ainda das dificuldades que as parlamentares mulheres têm para levar seus projetos à votação. “No Senado, as leis para aprovar, tem que aproveitar a emenda de algum macho”, conta Regina. “Esse ano, na Comissão de Constituição e Justiça, tínhamos vários projetos. No dia 8 de março fomos uniformizadas, mas chegamos lá, a pauta não tinha nada a respeito da mulher. A gente tinha preparado uma pauta antes, com todos os projetos que queríamos votar. Seis projetos prontinhos. Dissemos que só teria sessão se a pauta fosse feminina. Porque sem nós não tinha quórum. Recebemos a pauta feminina. Dos seis projetos, aprovamos cinco. Um não pode ser votado, porque um senador pediu vistas (Roberto Rocha, PSB-MA). Era justamente sobre a participação da mulher nos conselhos de administração das empresas”.

‘Nós pulamos de Princesa Isabel para Dilma’

A deputada Jandira Feghali | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Jandira Feghali fez um recorrido em sua fala sobre as mulheres brasileiras na História. Jandira lembrou como as mulheres sempre foram agentes importantes da luta política brasileira – das lutas por independência à anistia, das abolicionistas às sufragistas, das operárias às mulheres do campo. “Tudo isso são lutas que as mulheres desenvolveram na política. Na Revolução Farroupilha, na Cabanagem, nos Alfaiates, no Araguaia, em todas as lutas as mulheres estavam lá. O problema é nosso salto para a representação institucional. Esse é um salto que nós temos tido dificuldade”, apontou ela. “Nós entramos na década de 80 mudando muita coisa. O Código Civil de 1986 dizia que a mulher era relativamente incapaz. O estatuto da mulher casada da década de 60 dizia que a mulher era colaboradora do homem. Até bem pouco tempo tinha a legítima defesa da honra, podia matar a mulher em caso de adultério e isso dava absolvição. Hoje, a gente avançou muita coisa, mas a quilometragem ainda é muito larga”.

Mesmo com registro de crescimento, a presença feminina na política institucional ainda não conseguiu quebrar o teto de vidro. “Nós tivemos no Império mulheres – Leopoldina, Princesa Isabel, Maria I – e pulamos direto para Dilma. Pensa! Qual é a outra mulher que dirigiu esse país? Passamos o século XX inteiro sem nenhuma representação de mulheres no comando desse país. Nós pulamos de Princesa Isabel para Dilma”, salientou Jandira.

Ela lembrou ainda de como recentemente, a experiência de Dilma Rousseff (PT) enfrentando o impeachment, revelou o lado mais misógino da nossa sociedade. “Esse golpe teve um conteúdo misógino repulsivo. Só de ela falar presidenta já era um incômodo. Começou a incomodar ali. Eu me lembro que me encontrei com a presidenta (Michelle) Bachelet, num encontro da ONU, e ela me dizia: diga a ela para não recuar, isso é simbólico. Porque é de fato simbólico, ser chamada de presidenta”.

A senadora Regina disse que para entender como a política brasileira vê as mulheres, bastava que alguém se debruçasse por um pouco de tempo em cima das dinastias familiares que compõe o Poder. Com raras exceções, como Roseana Sarney, filhas mulheres não são preparadas para serem herdeiras políticas dos pais. E Regina disse que sentiu que seu espaço, como mulher, sindicalista, de descendência negra, nordestina, fora do padrão de Brasília, não era esse. Ela conta ter sofrido com xingamentos e a desqualificação do seu discurso, desde que assumiu o Senado, ocupando a vaga de Wellington Dias, que foi eleito governador do Piauí.

“Foi só eu virar senadora que um assessor de deputado veio me trazer um cartão de cabeleireiro que tinha que dar um jeito no cabelo. Eu disse: meu filho está do jeito, é cabelo de neguinha mesmo”, contou ela, sendo aplaudida pelo público da Assembleia. “Quando a gente chega – uma como eu, quebradeira de coco – é uma intrusa, uma invasão. Eu já tenho dificuldades para ser candidata no ano que vem. Mas vou enfrentar mais essa. Porque aquele espaço não é meu, já sofri horrores com essa história de não ter ‘cara de ser senadora’. E senadora tem cara?”.

‘A gente tem que participar’

Deputada Manuela D’Ávila falou na abertura do evento | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Regina reforçou sobre a necessidade de que as mulheres estejam junto à discussão da reforma política desde o início. “Deem uma olhada nos programas de governo registrados no cartórios para vocês verem que referências têm às mulheres, aos negros, às comunidades quilombolas e indígenas. A gente tem que participar lá na elaboração do programa, se quiser que alguma coisa ela feita”, afirma ela.

Jandira lembrou que a falta de diversidade “apaga” a representação de boa parte da população brasileira no Congresso atual, o mais conservador desde 1964. “Ninguém pode viver numa sociedade sem pluralidade e sem representação adequada na política e no poder. Hoje, nós (mulheres) somos 10% do Parlamento brasileiro, na média. A população negra é 51% do Brasil e tem lá 4%. Homossexual tem um que assume. Não tem índio. Trabalhador rural, pouquíssimos. São 300 empresários”, analisa.

A deputada citou a reforma política e o que pode estar em jogo. “Nesse momento, estamos tentando aprovar a PEC que não mexe com a cota de vagas nas chapas. Porque isso nos colocou em um processo cartorial, onde os partidos, desrespeitando as suas militantes, transformaram as candidaturas das mulheres em candidaturas cartoriais. Isso é inaceitável para os seios dos partidos, principalmente partidos de esquerda”. “Nós estamos tentando pular para algo que é a reserva de cadeiras no Parlamento. A exemplo do que existe em outros países. Nós ocupamos hoje a vergonhosa antepenúltima vaga de número de mulheres no Parlamento, entre todas as Américas”, citou ela. “Se a lista partidária for o que ganhar respaldo, estamos querendo alternância de gênero na lista, tempo percentualmente igual de TV e de fundo de emissão. Porque só assim vamos conseguir colocar as campanhas das mulheres de fato na rua. Seja para prefeitura, seja para o Parlamento, seja para presidência da República. Essa é uma disputa que precisamos fazer num processo como esse”.

Regina concorda. “Para a gente ocupar espaços precisamos de muitas mudanças. Não só da lei, mas também nela. Essa reforma política que vem aí, se a gente não lutar para que ela nos contemple, a gente vai perder uma grande oportunidade. A questão da lista é fundamental para que, se ainda não há paridade, a gente tenha pelo menos dois-e-uma”, disse ela. “Eu fui secretária de administração. Mas não foi uma coisa de benesse não. Eu me impus. A gente botou muitas mulheres no governo, mas foi assim, brigando com o governador, apesar de ser um companheiro. Por que isso? Muita gente querendo espaço. Na hora que tem muita gente querendo espaço, quem sai é a mulher”.

O cenário latino-americano

A senadora Constanza Moreira | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A senadora uruguaia Constanza Moreira comentou traçou um panorama da América Latina. Brasil e Uruguai, lembrou ela, apresentam taxas “horríveis” de representação de mulheres na política. Enquanto a média mundial se mantém em torno de 20%, os dois países giram em torno de 10 e 15%. A América Latina em geral, graças a países como Bolívia, Cuba e Equador, sustenta uma média regional de 26%.

“O que é isso? Acho que tem duas explicações, mas as duas convergem. No Uruguai, não tivemos possibilidade de aprovar a lei de quotas e tempo de 2014 (ano que o país teve primárias que decidiram candidatos). Porque a forma como a lei determina fazia com que com as cotas mulheres entravam, homens saiam, então os homens não aprovaram. Era a redução do poder da masculinidade. Observo com um pouco de ironia”, brincou Constanza. “A entrada das mulheres na política era vista como perda do poder dos homens”.

Se o Brasil, que elegeu por duas vezes uma presidente mulher, e Uruguai, o primeiro país da América Latina, a reconhecer às mulheres o direito do divórcio e, mais recente, o de escolher se segue ou não com uma gravidez, lutam para escolar algumas posições, a Bolívia segue como o país que ocupa a melhor posição nas Américas, segundo lugar mundial. No país sul-americano, as mulheres são mais da metade do Parlamento: 53%.

“Por que a Bolívia está no sexto lugar na participação de mulheres na política (média do legislativo e executivo) no mundo? Porque teve Assembleia Constituinte, teve mulheres pobres super empoderadas nela, teve mudança constitucional, que não só recuperou a dignidade das mulheres na política, mas também a dignidade dos povos originários. Eu acho que não há circulação de elites maior do que a que vem acontecendo nesses anos na Bolívia”, analisa Constanza.

“É preciso criar consciência sobre os interesses comuns, que como gênero, temos. Para superarmos a divisão sexual do trabalho e todas as suas consequências. Mas sobretudo é preciso desestimular a competição política entre as mulheres. É preciso nos unirmos.”, concluiu a senadora do Frente Amplio.

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